Exportações, saída para a crise?
- Carta Capital
- 16 de mai. de 2016
- 5 min de leitura
O superávit comercial de 4,86 bilhões de dólares em abril, anunciado na segunda-feira 2 pelo ministro Armando Monteiro, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, elevou o saldo positivo acumulado de janeiro a abril para 13,25 bilhões, o maior no período desde 1989. No dia seguinte, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou o aumento da produção da indústria, de 1,4% em março depois de uma queda de 2,7% no mês anterior.
Os dados do comércio exterior e da indústria, somados a indicadores positivos de inflação, horas trabalhadas, uso da capacidade instalada e faturamento, entre outros, melhoraram a expectativa dos empresários, mas a volatilidade do câmbio, o cenário político e a conjuntura internacional mantêm a incerteza.
“Paramos de cair, mas não dá para dizer se é uma tendência. O ambiente político tem de estabilizar, não é só substituir Dilma, é preciso saber se Temer continuará ou vai virar a bola da vez. Depende ainda do Henrique Meirelles, cotado para a Fazenda, não repetir a sua atuação anterior, de levar a uma enorme valorização do real, o que mataria as exportações”, analisa Mario Bernadini, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos.
Parte do bom desempenho das vendas externas é circunstancial. “Há um aumento dos preços da soja e do petróleo, puramente por conta de especulação. O mercado internacional está líquido, os fundos têm dinheiro e não sabem onde aplicar, então puxam as commodities”, segundo José Augusto de Castro, da Associação Brasileira das Empresas Exportadoras.
Com base no desempenho das exportações, o governo revisou a projeção de superávit comercial deste ano, de 35 bilhões de dólares para entre 45 bilhões e 50 bilhões. “Neste ano o superávit será o dobro dos 20 bilhões de 2015, mas com fortíssima queda das importações por causa da redução do nível de atividade”, destaca Castro.
Aumentar as vendas do País é indispensável, porém o crescimento do fluxo de comércio é mais importante, concordaram Antônio Maciel Neto, presidente do Grupo Caoa, e Demian Fiocca, sócio da Mare Investimentos, no Diálogos Capitais Fórum Brasil: Como retomar o crescimento, realizado em março por CartaCapital.
Exportações e indústria dependem de uma taxa de câmbio competitiva estável. A cotação de 2,69 reais por dólar em janeiro de 2015 chegou a 4,04 reais no mesmo mês deste ano e fechou abril em 3,45 reais. Ao meio-dia da quarta-feira 4, oscilava em torno de 3,54 reais.
A relação considerada competitiva gira em torno de 3,80 reais por dólar. “Está mais para 3,30 do que para 4 reais. O cenário mudou muito. A conjuntura internacional está fraca e a nossa, fraquíssima”, avalia Castro.
Manter o câmbio competitivo é o maior desafio para a retomada do crescimento, mostra a devastação da indústria pelo real valorizado desde os anos 1990. “No Brasil, qualquer processo de desvalorização cambial está sujeito à reversão, uma vez que a economia é extremamente sensível aos efeitos do ciclo de liquidez internacional e permeável à especulação financeira”, analisa o economista Pedro Rossi, da Unicamp.
“Os juros muito altos, somados aos derivativos, tornam a taxa entre o real e o dólar uma das mais voláteis do sistema internacional e impedem seu uso como ferramenta para o desenvolvimento.” Sem mudanças institucionais e regulatórias, diz, o câmbio não se sustenta. A principal medida é reduzir a simetria entre os mercados futuro e à vista, ou onerar as posições a futuro.
“Com liberdade de operações no último segmento, os agentes escapam à regulação mais forte das transações à vista, explica Rossi. E há incentivos muito fortes para operação decarry trade”, de ganhos com o diferencial de juros interno e externo, proporcionais à alta dos juros e do dólar.
O próximo passo do governo na frente externa será o início, anunciado pelo Ministério do Desenvolvimento para a quarta-feira 11, da troca de ofertas com a União Europeia, com vista a um acordo de comércio, direitos autorais e patentes e à inserção do País na esfera do Tratado Transatlântico (TTIP, em inglês), entre os Estados Unidos e a UE.
Apesar da possível perda de 3% do PIB de 14 setores com o rebaixamento de tarifas e outras cláusulas, segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria, o entendimento conta com apoio de governo, oposição e empresários. Os maiores prejuízos recairão sobre a sociedade, informada por uma mídia restrita à versão oficial.
Grandes manifestações contra o TTIP se sucedem na Alemanha e outros países europeus. Nos Estados Unidos, o similar Tratado Transpacífico, o TPP, com Japão, México, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Malásia, Cingapura, Vietnã, Brunei, Chile e Peru, está sob risco, apesar do empenho do presidente Barak Obama.
O virtual candidato republicano Donald Trump condenou as importações baratas e ameaçou elevar tarifas, uma afronta ao tratado. Hillary Clinton passou de apoiadora a crítica do TPP e a oposição de Bernie Sandres aos acordos de livre-comércio ajudou-o a vencer em vários estados.
A postura dos partidos reflete “um forte sentimento antilivre-comércio nas bases”, afirma Martin Khor, diretor-executivo do South Centre, organização intergovernamental de apoio à promoção internacional dos interesses comuns aos países em desenvolvimento. “Se até os EUA têm dúvidas crescentes sobre os benefícios do livre-comércio, os países menos poderosos deveriam fazer uma avaliação mais realista da liberalização do comércio.”
Para o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, há no Ocidente uma revolta em marcha contra a integração global. “O motivo é a percepção de que se trata de um projeto conduzido pelas elites para as elites, com pouca consideração com os interesses das pessoas comuns.”
O rótulo de um entendimento comercial oculta o principal objetivo dos tratados, institucionalizar cortes arbitrais internacionais com poder de obrigar Estados Nacionais a aplicar decisões favoráveis às empresas globais.
No mês passado, 90 mil alemães tomaram as ruas de Hannover para protestar contra o TTIP durante a visita de Obama para discutir os termos do tratado com Angela Merkel. Segundo os manifestantes, o aumento do poder das empresas rebaixará salários, enfraquecerá os direitos trabalhistas e a proteção ao meio ambiente. O oposto de criar milhões de empregos e estimular o comércio com o rebaixamento das tarifas, segundo defende o presidente dos EUA.
Decisões de cortes arbitrais internacionais favoráveis às empresas se tornarão corriqueiras no caso da aprovação dos tratados. Em uma dessas deliberações, a Philip Morris processou o Uruguai por prejuízos impostos pela queda das vendas decorrente da propaganda governamental sobre as doenças provocadas pelo tabaco.
A empresa obteve ainda sentença contra o governo australiano por regras para a embalagem dos produtos. A sueca Battenfal moveu uma ação contra a Alemanha, depois do fechamento da sua planta de energia nuclear. Uma companhia francesa ingressou em tribunal internacional contra o governo do Egito, por aumento do salário mínimo.
Negociados entre representantes empresariais e de governos, os acordos dependem das aprovações dos Parlamentos para entrar em vigor.
“Durante décadas, o Ocidente pressionou os países em desenvolvimento para liberalizar o comércio. Poucos deles, na maioria asiáticos, administraram cuidadosamente a abertura e dela extraíram benefícios com a exportação de industrializados. É uma ironia os Estados Unidos enfrentarem uma oposição interna à sua lógica de livre-comércio”, analisa Martin Khor.
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